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Mostrando postagens de 2012

Poética do Olhar

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Delicadamente apressada, pôs a bandeja em cima da mesa e sentou-se. Cabelos cacheados, óculos coloridos, vestido esvoaçante e uma timidez ingênua tão peculiar ao derramar aquele açúcar tremido na mesa que me encantou em cheio. Cúmplice, identificava-me com todo aquele atrapalhamento doce e esfomeado. Após adoçar o café e a mesa, lambeu com gosto a colher e os dedos e olhou ao redor, atenta, afugentando qualquer olhar que condenasse o ridículo da vida subjetiva. Bagunçou meticulosamente os cabelos e ajeitou as belas louças da cafeteria, como quem se arruma para uma festa de arromba.  Tal cena me embebedava. Após o terceiro gole quente e uma mastigada elástica, respirou fundo e sorriu. Com a mão perdida pela bolsa, sacou um celular multiuso e começou uma verdadeira dança ritualística em volta da bandeja, buscando o melhor ângulo para a foto. Foto? Ao primeiro clique, um barulho desengonçado que ela logo desativou discretamente para evitar comentário

O Inferno Sonoro

Acredito que um dos maiores poderes da literatura - ou melhor, de nós, leitores - é colocar em diálogo escritores distintos e distantes. Exemplo nítido disso é a abordagem dos perspicazes escritores Ricardo Piglia e C. S. Lewis acerca do ruído. O argentino Piglia, em seu ensaio "Retrato do Artista" (2000), não apenas constata o ruído como principal marca constitutiva de nossa sociedade, mas completa: "Ao mesmo tempo, os músicos contemporâneos comprovam e dizem o que ninguém sabe: que a cultura de massa não é uma cultura da imagem, mas do ruído. Pela janela aberta do estúdio de Gandini chegavam os rumores do mundo. Uma confusa profusão de sons inarticulados, cortinas musicais, alaridos políticos, vozes televisivas, sirenes policiais, anúncios de concertos internacionais e rock-and-roll . No extraordinário capítulo das "Sereias" no Ulysses (que é dedicado à música), Joyce deu a perceber que o capitalismo é um mataga

Os Saltimbancos e a Política

Rádio. Dia das crianças. Mês de eleições. A repórter perguntou se neste novo século, em tempos de  paz e democracia, ainda é possível manter o viés político e militante do musical infantil Os Saltimbancos. A resposta veio mais ou menos nos seguintes termos: " Veja , assim como na época da ditadura, o musical ainda mantém uma mensagem política. No entanto, em vez da luta contra os opressores, a nova versão (que junta às canções de Chico outros hits como Hakuna Matata) pretende reforçar a questão da união em prol de um bem maior: ao final, bichos e barões se unem, já que todos juntos somos fortes ". Em princípio, pareceu-me bastante reducionista e ultrajante tal mudança. No entanto, olhei para nosso cenário político, para as tantas alianças e junções inusitadas, e percebi quão coerente foi a adaptação. E triste.

Canção Simples

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<p>Vídeoclipe da música Canção Simples, de Tiago Bettencourt & Mantha "...e sentir que somos dois, mas que juntos somos mais. (...) Fazes muito mais que o sol." Ju, feliz dia dos namorados! =-]

O Tempo

Sempre concordei com quem diz que "o tempo" é o culpado das ausências: sentimos falta (presente) daquilo que já vivemos (passado) e/ou daquilo que almejamos viver (futuro). O problema é que, em plena época de profunda "falta de tempo", as ausências de pessoas e momentos insistem em permanecer, talvez até em maior grau. Assim, já não sei se a culpa é do tempo, ou da falta dele, ou simplesmente de cada um de nós.

Dos males, o menor

"Dos males, o menor." Ainda que ruim, seria melhor do que "o banco das melhores taxas".

Sem contar o tipo que dá bom dia a todos e opinião a ninguém.

Sem contar o tipo que dá bom dia a todos e opinião a ninguém. É como igreja de turista: com a porta sempre aberta, mas limitada a visitas superficiais e passageiras.

O Valor da Leitura

Prometer comprar todos os livros que sua irmã caçula lhe pedir pode custar caro à beça. Deixar de arranjá-los pode custar muito mais.

Fogo do Céu

Não que as outras sejam menos impressionantes, mas uma das ideias mais emblemáticas da religião Evangélica é o perdão divino: quanto maior a culpa sentida pelo fiel, mais impressionado ele fica com o modo e a capacidade de seu Deus perdoá-lo e amá-lo incondicionalmente. É isso que garante tanta comoção e devoção. Do mesmo modo, o que mais impressiona e revolta às demais crenças não são os milagres, os relatos bizarros ou os paradoxos doutrinários – em outras áreas, fatos semelhantes são aceitos normalmente. O que mais estranha os olhos alheios, religiosos ou não, é a multidão de gente vivendo pautada pela noção de culpa. Necessariamente é preciso sentir-se (ou melhor, verdadeiramente ser ) culpado para entender, aceitar e proceder de acordo com os mistérios dessa crença – ou melhor, tentar viver de acordo com ela, porque atingir plenamente a santidade seria perder a culpa motivadora; em outras palavras, perder o Espírito Santo, responsável pela consciência da culpa e do pa

Paciência e Compreensão

Imaginem que sou uma pessoa pós-moderna: consciente e militante, luto contra os males do mundo e exijo respeito ao ser humano. Daí Fulano, pessoa muito amada, decepciona-me com violência. Diante disso, tenho duas escolhas: ou agir contra Fulano, ou agir contra a violência. Se escolho a primeira opção, posso tranquilamente descer a porrada no infeliz, já que o problema não é a violência em geral: é a violência de Fulano contra mim. Deixo de lutar contra os males de mundo, lutando apenas contra os males que me fazem. Deixo de exigir respeito ao ser humano, exigindo apenas que me respeitem. Deixo até de amar Fulano, amando só a mim. Enfim, exerço minha paradoxal pós-modernidade, acreditando que o mundo sou eu. Por outro lado, se escolho a segunda opção, necessariamente preciso agir por outro meio não-violento, frequentemente com paciência e compreensão - as quais, ao contrário do que muitos pensam, são a melhor arma contra as deficiências morais. Compreendo quanto é fác

Recém convertida ao time da Vila

Recém convertida ao time da Vila, restava-lhe entender tamanha graça e emoção de, com fervor igual ou maior, torcer contra o rival da capital. Até que lhe expliquei: enquanto o moribundo não cair mais uma vez, os jogos do Peixe não serão televisionados. E assim, como se o mundo de repente fizesse completo sentido, nascia ali mais uma anticorinthiana - animadíssima, aliás, com as perspectivas positivas prenunciadas pela Taça Libertadores da América. Esperta que é, talvez em breve seja tricampeã mundial, tal como seu namorado tricolor, gozando finalmente do pleno conhecimento da arte do futebol.

Pedacinhos da Felicidade

« Talvez a solução não seja simplesmente incluir um ou dois dias a mais em nosso amado final de semana. Basta que o tempo deixe de passar tão rápido nos raros momentos de menor ocupação. As férias e feriados - pedacinhos da Felicidade - que o digam. »

A Felicidade do Eremita

« Até a felicidade do eremita depende das outras pessoas: neste caso, da ausência delas. Eis a mais bela verdade imortalizada por Tom Jobim: é impossível ser feliz sozinho. »

Evolução Espiritual

Evoluir espiritualmente não é abster-se da vida material; é saber conduzi-la racionalmente. A abstenção (do supérfluo) é apenas uma das consequências, não o objetivo em si.

Promessa

Um dia ainda aprenderei que o bonito não é assumir um monte de coisas das quais não dou conta, mas cumprir completamente o pouco que eu assumir. Saberei que mais honroso do que sair de uma situação complicada é simplesmente ter o discernimento de não entrar nela. Pararei de querer abrir um milhão de portas - como aquelas do saguão de entrada apresentado por Lewis - e simplesmente adentrarei em uma delas, convicto de onde irei repousar minhas angústias e esperanças: convicto de que ela levará a um jardim com um longo caminho pela frente. E minha caminhada será muito menos corrida, pois perderei menos tempo juntando chaves que destrancam portas irrelevantes. E os passos mais vagarosos me permitirão notar as belezas de cada detalhe do novo caminho, principalmente as pessoas que estiverem na mesma rota. E essa contemplação do presente tirará toda a ansiedade do futuro, pois perceberei que, em vez de sozinho, estou seguindo muito bem acompanhado. E saberei finalmente desfrutar dos tantos

O Primeiro Passo

Muitos desafortunados deixam de ser felizes por pura falta de oportunidade: a vida acaba forçando-os a se distanciarem daquilo que lhes realizaria. Outros, grandes tolos como eu, às vezes esnobam a felicidade por pura falta de discernimento: não sabem dar prioridade ao que lhes é oferecido com fartura. De um jeito ou de outro, ainda bem que a consciência da própria condição continua sendo o primeiro passo para uma possível mudança de vida.

O Escritor Paradoxal

Eis o escritor paradoxal: não aquele que escreve com forma e conteúdo paradoxais, e sim aquele que nem escreve.

Mesmo se Maquiavel estiver certo

Mesmo se Maquiavel estiver certo ao afirmar: " o homem que tenta ser bondoso todo o tempo está fadado à ruína entre os inúmeros outros que não são bons ", ainda assim faltará um detalhe muito relevante: as pessoas que não tentam também. A certeza da morte não nos impede de lutar pela vida, assim como a dominância da maldade não pode nos impedir de lutar pela bondade. É no mesmo barco que navegam aqueles que buscam a salvação, mesmo na certeza de já tê-la, e aqueles que assumem Deus como alvo, mesmo na convicção de sua inexistência. Uma coisa é ser arrastado pela forte correnteza, outra coisa é insistir em remar contra ela - seja qual for o sentido. E é incrível como fazemos tão bem as duas coisas - animais paradoxais que somos - mesmo sabedores de que, assim ou assado, prosseguimos à deriva.

Lançamento do Livro do III Festival de Literatura da Letras

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Foto dos livros publicados, por Israel Antonini No último dia 18 de janeiro de 2012, no centro cultural b_arco , aconteceu o lançamento do livro-coletânea do "III Festival de Literatura da Letras - USP", no qual um conto meu foi publicado. O festival foi organizado pelos estudantes de Letras da USP em meados de 2008 e premiou os três melhores contos e os três melhores poetas. Meu texto, "O autor do conto", ficou em segundo lugar em sua categoria. A edição do livro, publicado pela Ed. Humanitas, ficou incrível! Destaque para a  linda ilustração  de capa de  Juliana Cordaro . Apesar da chuva forte, foi uma festa muito agradável! Além das conversas boas, houve uma performance de Chiu, do grupo Philomundus , e um sarau tão bom que conseguiu até quebrar a timidez que até então me acompanhava naquela noite (e que ainda me acompanha um pouco quando falo da publicação). Gostaria de registrar o agradecimento especial a Israel Antonini