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Mostrando postagens de janeiro, 2014

A Fila Anda

Impactaste minha vida como caminhão tombado na pista expressa da Marginal Tietê, como objeto na via às sete da manhã. Fizeste meu coração bater forte como bateria no Anhembi, como torcida organizada em final de campeonato. Puseste-me ansioso e sem escolha como trabalhador na linha vermelha querendo entrar em trem lotado, como mãe na fila do SUS. Encheste minha esperança como a 25 de Março no Natal, como córrego em verão. Deixaste meu amor grande e louco como o preço dos imóveis, como o trânsito da M'Boi Mirim. E minha vida ficou boa como pastel de japonês, como piscina do Sesc. Mas usaste-me e esqueceste-me como político eleito, como bituca de cigarro. Fiquei pálido e sem vida como céu cinza sem estrelas, como flor de shopping center. Perdido e sem rumo como turista na Paulista, como criança em beco da Luz. E quis voltar no tempo como retirante nordestino, como costureira boliviana. Mas não consigo esquecer-te. A fila não anda nesta cidade.

Gostar e Fazer

Eis o segredo: não só fazer o que gosta, tampouco apenas gostar do que faz, mas sempre as duas coisas juntas – gostar e fazer – como duas faces de uma moeda que, se não compra a felicidade, pelo menos é dada como troco em tal transação.

Vergonha Alheia

Cindido a ponto de sentir vergonha alheia de si mesmo.

Quem vem do lado oposto

Já pouco importa se é grande linha de frente ou pequena tropa de elite: talvez prefira não estar em guerra alguma.

Quanto Mais

Quanto mais reconhecemos nossos próprios erros, mais paciência temos com os erros alheios. E quanto mais paciência temos com os erros alheios, menos erros cometemos.

Amor e Dedicação

Não é preciso amar aquilo a que nos dedicamos, mas dedicação é imprescindível em tudo o que amamos.

Epifania

Conversávamos no sofá após o jantar até que: Estava contando para ela a deliciosa frustração de, no dia seguinte à publicação daquele breve conto de distopia no blog, ter lido a caminho do trabalho um fabuloso trecho em O Nosso Reino , de Valter Hugo Mãe, trecho no qual o escritor constrói uma distopia terrível e belíssima de pessoas que vão se apequenando até que tudo ocorra apenas no cérebro de modo que as mentes se conectam em uma profunda compreensão da vida. Fato é que tal trecho me pôs a concluir que nunca chegaria lá, nunca viria a ser escritor como aquele gajo. Ela repetiu que o maior problema era não apenas a forma escrita, mas principalmente a forma pessimista e superficial com que eu tinha abordado os avanços tecnológicos. Dizia-me isto enquanto ia zapeando o televisor até que o acaso nos levou ao canal Cultura e vimos ali, no Roda Vida, o próprio assunto de nossa conversa: o escritor, ele mesmo, diante dos jornalistas brasileiros! Estupefacto, ouvi dizê-lo

Distopia

Por muito tempo a humanidade desejou criar uma máquina que se equiparasse ao cérebro humano. No entanto, lá no século XXI, diante da impossibilidade percebida, mudou de estratégia e passou a investir não no avanço da engenhoca propriamente dita, mas no retrocesso do cérebro humano por meio das mais diversas bugigangas tecnológicas, as quais - diziam - facilitariam a vida humana (em vez de fazer a montanha vir até Maomé, preferiu petrificá-lo, de modo que a humanidade realizasse outro sonho antigo: voltar no tempo - neste caso, para o tempo das pedras). Só agora, séculos adiante, a história deu mostras de que realmente é cíclica e nos pôs a sonhar o mesmo de outrora: o desejo de aprender a pensar por conta própria. O desejo da desanimalização.

Portugal

Terrinha retrógrada a ponto de ainda produzir literatura comovente.