Faz tão frio que o dia se recolhe mais cedo. No limiar das seis da tarde, nem a luz do sol, nem o brilho da lua, apenas o isqueiro que acende a pequena vela pendurada ao lado da orquídea suspensa. A varanda é pequeníssima e nela me engrandeço, dobrado como um livro prestes a ser desvelado. Nem dentro nem fora do apartamento, apenas à parte. A pequena chama não acende lareira, nem lampião, tampouco um mísero cigarro, apenas acompanha o fugaz deslumbre que me aquece, me ilumina e me vicia: entre minhas mãos e meus olhos, fragmentos de Bernardo Soares, o intervalo pessoano entre ele-mesmo e seus heterônimos. Faz tão bem que eu me recolho mais inteiro.