Desassossego


Faz tão frio que o dia se recolhe mais cedo. No limiar das seis da tarde, nem a luz do sol, nem o brilho da lua, apenas o isqueiro que acende a pequena vela pendurada ao lado da orquídea suspensa. A varanda é pequeníssima e nela me engrandeço, dobrado como um livro prestes a ser desvelado. Nem dentro nem fora do apartamento, apenas à parte. A pequena chama não acende lareira, nem lampião, tampouco um mísero cigarro, apenas acompanha o fugaz deslumbre que me aquece, me ilumina e me vicia: entre minhas mãos e meus olhos, fragmentos de Bernardo Soares, o intervalo pessoano entre ele-mesmo e seus heterônimos. Faz tão bem que eu me recolho mais inteiro.

Comentários

  1. Setes textos estão mais profundos, sempre foram, mas acho que estão mais viscerais. Pelos menos este dois últimos!

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  2. Momento ilustrado lindamente com palavras. Parabéns!

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