Sem chegar a lugar algum

Dois passarinhos, um preto e um branco, formando o Ying-Yang.
12:00

Vale lembrar: a dicotomia benjaminiana já não comporta mais o narrador contemporâneo, pois ele nem é o viajante que volta para contar o que viveu, nem o velho familiar que sempre permaneceu na vila. O novo narrador, amante de Borges, que viaja vice-versa da casa ao trabalho e eventualmente ao lazer (do nada ao vazio, como preconizam os orientais), nem sai, nem fica: é eterno transeunte baudelariano girando na roda viva do Yin-Yang subjetivo. É por isso que a narrativa contemporânea dá tanto rodeio sem chegar a lugar algum.

03:00

G. K. Chesterton (escritor britânico cuja felicidade consistiu em fazer uma longa viagem para chegar exatamente no lugar de onde partiu, sentindo a aventura do viajante e a segurança familiar do aldeão, conforme narra em Ortodoxia), preocupado com os rumos que a narrativa mundial tomava, sugeriu o seguinte: se não é possível sair do círculo da loucura, é preciso pelo menos expandi-lo, deixar de centrar-se no indivíduo e, de fato, descentrar-se na natureza e na coletividade – olhar ao redor, sentir-se pequeno diante de tanta vida e ser feliz por fazer parte de algo maior; ou seja, deixar o romance psicológico e voltar às epopeias clássicas, como nos contos de fadas. Foi o que fizeram, por exemplo, Tolkien, Lewis e tantos outros escritores que partilhavam tal cosmovisão, sistematicamente renegada pelo cânone literário contemporâneo – cânone esse que preferiu privilegiar exatamente a psicologização do romance, cada vez mais centrado nas epopeias que ocorrem não no mundo, mas nos meandros entre mente e coração.

06:00

É mais ou menos isso que discute Ricardo Piglia no ensaio "Os sujeitos trágicos (literatura e psicanálise)" de Formas Breves. Em suma – diz o argentino – a atividade do narrador contemporâneo é semelhante à do psicanalista, basta ler Joyce ou o gênero policial – exemplifica. Paradoxalmente, aliás, Chesterton também foi mestre neste gênero renegado, como sempre fez questão de frisar outro grande escritor argentino chamado Jorge Luís Borges.

09:00

Incompreendido pela mesma época que o adora sem dele ter lido quase nada, Borges metaforizou o zeitgest do cânone literário contemporâneo sendo o velho escritor que se ensimesma em sua obra, seguindo parcialmente as orientações de Chesterton ao olhar ao redor (ainda que cego), sentir-se pequeno (diante de tanta literatura) e ser feliz por fazer parte de algo maior (uma grande biblioteca). O melhor narrador contemporâneo, portanto, é um metalinguístico argentino (nem americano, nem europeu) viajando entre uma porção de autores que ninguém nunca leu ou lerá, bem diferente do finado narrador da dicotomia benjaminiana.

12:00

Vale lembrar: a dicotomia benjaminiana já não comporta mais o narrador contemporâneo, pois ele nem é o viajante que volta para contar o que viveu, nem o velho familiar que sempre permaneceu na vila. O novo narrador, amante de Borges, que viaja vice-versa da casa ao trabalho e eventualmente ao lazer (do nada ao vazio, como preconizam os orientais), nem sai, nem fica: é eterno transeunte baudelariano girando na roda viva do Yin-Yang subjetivo. É por isso que a narrativa contemporânea dá tanto rodeio sem chegar a lugar algum.

Comentários

  1. Confesso que fiquei meio perdida nesse post, mas amei os passarinhos ^^

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  2. Parabéns pelo filhote! Sucesso, poeta! :)

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