Teologia Relacional: uma abordagem literária

Há quem diga que todo leitor é uma espécie de deus que, ao ser surpreendido com a morte de uma personagem, pode ressuscitá-la voltando algumas páginas ou mesmo reiniciando a leitura. Uma espécie de deus da tão surrada "teologia relacional", que não deseja a morte de ninguém, que tem poder de ressurreição, mas que não tem poder algum para mudar a história. Para alguns, deus meio que passivo. Para outros, Deus compassivo e amoroso.

Embora seja uma analogia bastante charmosa, confesso que para mim o Deus verdadeiro sempre esteve mais para escritor. Escritor dos bons. Escritor cuja história nem é escancaradamente óbvia, nem misteriosa demais. Escritor cuja mão ao mesmo tempo bate e acarinha. Escritor cuja história é cheia de peripécias, altos e baixos, poesia! Escritor cujos narradores e eu-líricos, consubstanciados a si-próprio, sabem a hora de aparecer e a hora de velar. Escritor, enfim, tantas e tantas vezes incompreendido pelos poucos que de fato o lêem - mesmo quando lido e discutido pelos mais conceituados literatos.

Eis assim ilustrada, conforme sempre aprendi, a diferença entre o deus com quem a qualquer momento eu poderia ter vontade de me relacionar e o Deus que desde cedo irresistivelmente me atraiu. Deus este, a propósito, sobre o qual - confesso - acabou escapando de repente uma intermitente e instigante questão: mas será possível conceber um bom escritor que não seja também um bom leitor? Por mais óbvia que seja a resposta, a mim foi preciso viajar e viajar com muita rebeldia por meio da Ortodoxia de Chesterton, grande escritor, para com prazer ser mais um a paradoxalmente descobri-la em uma nova terra que, no fundo no fundo, era exatamente a mesma de onde eu tinha partido.

Comentários

  1. Concordo. Deus escreve mas também lê, ainda assim, é escritor sobretudo.

    ResponderExcluir
  2. Lembro-me da minha professora de história da arte, dizendo no primeiro dia de aula que entendia que, quando dizem que somos "A imagem e semelhança de Deus" é pq nos foi dado também o poder da criação.Achee isso muito lindo.

    ResponderExcluir
  3. Nelara, tanto é assim que até criamos Deus para que Deus nos criasse...

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Mise en Abyme

Chega de Saudade

Diferente ou Igual